quarta-feira, 19 de junho de 2013

Palheiros da Tocha – breve caracterização



Construídos em madeira e de aspecto palafítico, os palheiros da Tocha foram-se erguendo sobre estacas, inicialmente de madeira, depois em pedra, bloco ou cimento, evitando assim a acumulação de areia transportada pelo vento.

Constituindo residência temporária apenas durante os meses de faina (Abril a Outubro), os Palheiros da Tocha eram de pequena dimensão, ao contrário por exemplo dos palheiros de Mira que chegavam a ter três andares. Bastante rudimentares, serviam ainda de arrumos às alfaias piscatórias, bem como de armazéns de salga. A sua pequena dimensão permitia que, se necessário, acrescentando-se outros pilares facilmente se elevassem, podendo mesmo ser mudados de local. A leveza da madeira permitia que as construções se erguessem num solo arenoso, de pouca estabilidade.

A facilidade em obter madeira e o seu baixo custo como material de construção, relacionado com a proximidade da floresta, levou à sua generalização.

Para o recurso à madeira como material construtivo existem também razões culturais, prolongamento de tradições anteriores: a pedra e o adobe, estáveis e sólidos para o lavrador; extensão do barco, a madeira para o pescador. Habituado a uma vida volante o pescador aceita sem estranhar uma construção muitas vezes improvisada.

De planta rectangular, eram cobertos por telhados de duas águas, primeiro de colmo ou em tabuado, depois de telha de barro cozido.

Mais tardiamente alguns palheiros passaram a usar telhas de lusalite. Relativamente às telhas de barro, à telha caleira de fabrico artesanal sucederam a telha “marselha” e posteriormente a “lusa” de fabrico industrial.


Quanto ao método construtivo, duas hipóteses se afiguravam. O tabuado das paredes ora era aplicado na vertical, ora era aplicado na horizontal, sobreposto. No primeiro dos casos as juntas eram colmatadas por ripas, pintadas por vezes de cor diferente.




À esquerda - Tabuado aplicado na vertical, com as juntas colmatadas por ripas. À direita - Tabuado sobreposto aplicado na horizontal
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Os palheiros eram tradicionalmente pintados com óleo queimado, bastante eficiente enquanto protector da madeira.

Vestidos de negro, os palheiros faziam companhia às gandaresas que tal como elas aguardavam pelo regresso dos pescadores, com receio que eles levassem sumiço no mar revolto.



Foto (anos 70 do séc. XX) extraída do livro “Praia da Tocha / Palheiros da Tocha” de Alice Andrade. Associação de Moradores da Praia da Tocha 2001
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A cor negra do óleo queimado sempre distinguiu os palheiros da Tocha dos seus congéneres de Mira ou da Costa Nova.

No palheiro, a habitação propriamente dita, soalhada, situava-se ao nível do primeiro andar, à qual se acedia por uma escada ou rampa exterior. A cozinha acumulava ainda as funções de sala comum, servindo ainda simultaneamente de entrada.

Para a cozinha abriam-se as alcovas, quartos de pequena dimensão. Nas alcovas a tarimba, na cozinha o borralho, uma caixa de areia ou de barro encostada à parede, com telhas a proteger a madeira, onde se acendia o lume para cozinhar. A latrina, quando existente, situava-se normalmente entre a estacaria ao nível do R/C. Também entre a estacaria eram armazenados os apetrechos da faina piscatória.

O litoral na região gandareza era outrora bastante desprotegido, pelo que as dunas eram varridas por ventos vindos do mar, arrastando para o interior massas consideráveis de areia por vezes por diversos quilómetros. Este efeito foi contrariado à custa da plantação de pinheiros bravos e arbustos que fixaram as areias. Originalmente assentes sobre estacaria de madeira, os palheiros evoluíram.

Em fases posteriores à consolidação das areias, surgiram modelos fechados ao nível do R/C. O R/C fechado passou a servir de arrumos ou mais recentemente de garagem.
Aos pescadores foram-se adicionando os veraneantes que, avessos à madeira, foram edificando as suas casas em alvenaria. Assim teve início a destruição de um modo de viver e construir, facilitado pelo fabrico local de blocos de cimento e areia e pela abertura de vias de comunicação que facilitou a entrada de outros materiais de construção, mais baratos do que a madeira. O próprio poder público contribuiu para a agonia dos Palheiros. A Sul, nalgumas povoações das proximidades do pinhal de Leiria, a construção de casas de madeira ou mesmo a reparação das existentes, foi em tempos proibidaO mesmo aconteceu a Norte na Praia de Mira.






Palheiros da Tocha Origem da Povoação

Anos 50 do séc. XX
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Localizada na região centro entre as Praias de Mira e Quiaios, eis a Praia da Tocha.
Mais conhecida outrora por “Palheiros da Tocha”, este topónimo teve a sua origem no facto da povoação ser inicialmente composta por construções cobertas de estorno (Ammophila arenaria), gramínea bastante abundante nas dunas.
A origem da povoação surge intimamente ligada à arte xávega, espécie de pesca de arrasto em que as redes são puxadas a partir de terra à força de braços, juntas de bois ou mais modernamente com o auxílio de tractores. “Ciganos da areia”, os primeiros povoadores, verdadeiros colonos, foram pescadores oriundos mais do Norte (Ovar, Murtosa e Ílhavo) que na procura de novos centros pesqueiros aqui terão assentado arraiais no final do século XVIII, início do século XIX, trazendo consigo a tradição da construir em madeira.
A história deste e de muitos outros povoados litorais confunde-se com a história destes movimentos migratórios: Espinho, Furadouro, Torreira, São Jacinto, Costa Nova, Vagueira/Areão, Palheiros de Mira, Palheiros da Tocha, Cova, Lavos, Leirosa, Pedrogão, Vieira de Leiria, Costa da Caparica, Santo André…
O Povoado inicial não passaria de uma pequena aldeia no topo de uma duna, onde por tortuosas e estreitas vielas se distribuíam os toscos palheiros dos pescadores.




Um comentário que me deixaram no site Guia da Cidade:

http://my.guiadacidade.pt/user_album_comments.php?album_id=57&media_id=6758

- 17:24 \o\02 26/02/2010

Só quero agradecer a disponibilidade que tem para promover e defender a praia da minha infância. Nunca mais a vi como dantes e quem a gere nem sequer tem um rumo. Acabaram com as últimas construções palafiticas à beira mar neste país. Onde está o palheiro tipico que todos os turistas gostavam de fotografar, com a madeira de pinho da nossa terra, uma única divisão vestida de negro por fora que albergava toda a família. Não tinha mais de dez metros quadrados, e uma única divisão servia de sala, cozinha, quarto... já que a casa de banho era atrás do palheiro do vizinho.


http://arquitecturadouro.blogspot.com. Arquitecto Rafael Carvalho

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